quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Miss Sarajevo ou Um Filhinho de Papai

Inela Nogic - Fonte da Imagem


“Existe um tempo para usar batom e maquiagem
Um tempo para cortar o cabelo
Existe um tempo para compras na avenida
Para encontrar o vestido certo para se usar
Lá vem ela, os olhares se invertem
Lá vem ela, para receber a coroa”
[...]


Eu tinha dezesseis anos, 1993, estudava no centro quando o boato se espalhou “vão invadir as escolas”. Não demorou e a confusão começou, trancaram as portas do colégio, ficamos aterrorizados dentro da sala com a professora tentando nos acalmar, estávamos sitiados naquela tarde. Ouvíamos os barulhos de rojões e das sirenes da polícia. Gritaria e correria nas ruas, da janela que ficava no terceiro andar, consegui ver uma galera com as camisas no rosto com paus e pedras correndo da polícia. A notícia saiu no jornal local, nesse tempo a cidade era dominada por gangues que tinham apenas um objetivo: ser a mais forte.

Do outro lado do mundo, uma cidade no meio da Europa, Sarajevo, atual capital da Bósnia, estava sitiada. O conflito com a Sérvia tinha iniciado após a dissolução da Iugoslávia e sua divisão em sete países. Nesse contexto sangrento, aconteceu algo improvável, um concurso de beleza. Poderia ter acontecido um massacre, felizmente, o que aconteceu foi a vitória de Inela Nogic com sua beleza estonteante. O desfile despertou o mundo para o que estava acontecendo, Bono Vox lançou um disco de uma música só, Miss Sarajevo - Clipe Aqui -, coloquei um trecho da música logo acima no começo da postagem.

Aqui no Brasil era a época dos machões, das gangues, das brigas nas saídas da boates e dos “filhinhos de papai”. Vários dos meus amigos faziam parte dessas gangues que marcavam encontros com um único objetivo, brigar. Então surgiu uma voz:

“Pergunta prum playboy o quê ele pensa da vida
Sabe o que ele te diz? (Se borra todo) Não
Mais ou menos assim:
"Sou playboy e vivo na farra
Vou à praia todo dia e sou cheio de marra
Só ando com a galera e nela me garanto
Só que quando estou sozinho eu só ando pelos cantos
Porque eu luto Jiu-Jitsu mas é só por diversão
(É isso aí meu "cumpádi" my brother meu irmão)
Se alguma coisa está na moda então eu faço também
Igualzinho a mim eu conheço mais de cem
Se eu faço tudo o que eles fazem então tudo bem
Não quero estudo nem trabalho
Não vem que não tem
Porque eu sou um playboyzinho e disso não me envergonho
Não sei o que é a vida Não penso Não sonho
Praia, surf e chopp essa é a minha realidade
Não saio disso porque me falta personalidade
Não tenho cérebro
Apenas me enquadro no sistema
Ser tapado é minha sina
Ser playboy é o meu problema!
[...]

Gabriel o Pensador, tinha lançado um ano antes “Tô Feliz" (Matei o Presidente), que envolvia como personagem, Fernando Collor, que sabemos bem quem é. A letra acima é da música Retrato de Um Playboy (Juventude Perdida) Clipe Aqui. Acerta em cheio a moral da minha adolescência. Vivíamos num país livre, entretanto, estávamos sitiados pela ignorância desses jovens que na maioria, tinham tudo, mas arriscavam perder numa briga. Amigos meus de boa família, morreram empolgados por essa ideia do “machão”.

Houve uma forte intervenção da polícia em toda a cidade(São Luis – MA), conseguiram estancar a onda das gangues, infelizmente, muitos jovens perderam a vida, a maioria nem entendia o real motivo pelo qual faziam tudo aquilo, muitos só queriam ter moral como os “filhinhos de papai”, achavam que pela violência poderiam impor uma posição social ou sabe-se lá o porque disso tudo.

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